O coração do Recife entre a saudade e a esperança

Nos últimos meses, voltei a um velho hábito — não é bem uma rotina, é mais um hobbie, um prazer que resgatei: caminhar pelo centro do Recife. Desde criança gosto disso. Era passeio certo com meus pais — às vezes pra comprar algo na Mesbla, na Arapuã, nas Lojas Brasileiras; noutras, pra assistir filme nos cinemas do centro e depois comer alguma coisa: na Karblem, na Cascatinha, Mate Brasília ou tomar um sorvete na Botijinha, que ficava perto do Bar Savoy.

O centro do Recife sempre foi mais do que um lugar geográfico. É um coração que pulsa histórias, memórias e sonhos. Quem nunca andou por aquelas ruas estreitas, sentiu o cheiro do café fresco vindo das lanchonetes, perdeu tempo admirando vitrines cheias de vida? O centro é um personagem vivo, cheio de personalidade. Carrega no corpo os traços de um passado glorioso e a esperança de um futuro melhor.


UMA HISTÓRIA TECIDA POR MASCATES E MEMÓRIAS

O Recife sempre foi dos mascastes — os comerciantes resilientes que fizeram do centro um mercado vivo e vibrante. Gente que cruzava pontes, trazia sotaques e produtos de todos os cantos do estado. Cada esquina conta uma história. Os prédios antigos sussurram segredos de um tempo onde tudo parecia possível. O Cine São Luiz era um templo do cinema. Assistir a um filme ali era mais do que lazer: era evento, encontro, ritual.

E como esquecer dos bares e restaurantes que marcaram época? O Savoy, que ainda alcancei com meu pai e os amigos, o Dom Pedro, o Leite, o Moscouzinho...ainda tinha o Buraco da Otília e os bares do Pátio de São Pedro,  espaços onde se encontrava sabor, conversa e, por que não, afeto. Templos da convivência. Por falar em convivência como não lembrar e citar a Livro Sete: adorava ir lá passar o tempo entre corredores de livros e cultura, também trazer pra memória os Teatros Valdemar de Oliveira, do Parque e Santa Isabel e os cinemas Veneza, Ritz, Astor, Moderno. Lembrar das lojas de tecidos da Rua da Imperatriz, e Nova e Duque de Caxias,  das manifestações democráticas, das festas que encheram aquelas ruas de sentido. A cidade era uma celebração.


ENTRE A DEGRADAÇÃO E A ESPERANÇA

Mas os tempos mudaram. E hoje, andar por certas partes do centro também dói. Prédios esquecidos, teatro e cinemas fechados, lanchonetes que viraram poeira e tapume. Há um sentimento de abandono, como se a cidade estivesse esperando — paciente, resiliente — por um novo propósito.

E é aí que entra uma fagulha de esperança. O Recife, teimoso como só ele, decidiu reagir. A criação da secretaria Recentro, pela gestão do prefeito João Campos, é um passo importante e que seja pra transformar. Pela primeira vez em muito tempo, há um esforço concentrado para discutir, recuperar e redemocratizar o uso dos espaços centrais da cidade. E não se trata só de revitalizar fachadas — trata-se de devolver a alma ao lugar.

É possível ver mudanças: na Avenida Conde da Boa Vista, por exemplo, entre o antigo Colégio Marista e a Agamenon Magalhães, surgem novos comércios, escolas como o São José, a FAFIRE, a Unibra, empreendimentos que voltam a dar vida a esse corredor histórico. Mas é preciso ir além. O poder público tem o desafio de estender esse cuidado a outras vias fundamentais: Guararapes, Duque de Caxias, Palma, Praia, Nova, Imperatriz, Sete de Setembro, Hospício — mal parafraseando Alceu nas “pelas ruas que andei”.

A Avenida Dantas Barreto, por exemplo, tem projeto pra virar um corredor da história e da cultura, o que pode puxar a requalificação de todo o entorno. E não se pode esquecer das praças: Maciel Pinheiro, Independência e do Sebo, do Largo do Carmo e Parque 13 de Maio — espaços que precisam voltar a ser ocupados com vida, arte, encontros.

Mas revitalizar o centro também passa por moradia. É preciso pensar em habitação para diversos públicos, retrofit de edifícios, presença de serviços públicos e equipamentos culturais. O centro precisa ser lugar de viver, não só de passagem. E essa missão não é só da Prefeitura do Recife — o Governo de Pernambuco precisa estar junto. O Recife é a capital mais antiga do país. Carrega história nas veias – e nas vias.


O CENTRO, NOSSA CASA

O centro do Recife é nossa casa. É de quem trabalha, de quem mora, de quem passa, de quem lembra. E, com cuidado, investimento e amor, podemos devolver ao centro a vida que ele merece. Que voltem os risos nos bares, o cheiro de café fresco nas ruas, a alegria dos cinemas, teatros, mercados e vitrines.

Porque, no fundo, o centro do Recife é parte da alma da cidade. E, como cantou Alceu, “pelas ruas que andei” ficou um pedaço de todos nós, ficou muita coisa viva — e ainda pode voltar a florescer. Que a gente nunca esqueça disso.

 

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