
— Dona Teresa, eu...
— Pintinho!
— Pinto. Meu nome é Pinto.
— Humm. Como nós estamos mudados, hein? Na festa...
— Era justamente sobre isso que eu queria lhe falar dona Teresa. Na festa. Algumas coisas foram ditas...
__Só ditas não, não é, Pintinho?
— Pinto. Pois é. Ditas e feitas, que...
— Já sei. Vamos fingir que nada aconteceu.
— Eu preferiria.
— Muito bem. Só não sei o que vou dizer ao papai.
— O que que tem o seu pai?
— Ele está vindo de Cachoeiro para o casamento.
Outra coisa perigosa é a pessoa se entusiasmar no fim do ano e decidir mudar. Ser outra pessoa. Deixar velhos vícios e adotar novas atitudes, ou recuperar algumas antigas. Janeiro, ou pelo menos a sua primeira quinzena, é uma espécie de segunda-feira do ano. As ruas ficam cheias de novos virtuosos, pessoas resolvidas a serem melhores do que no ano passado.
— Olhe.
— O que é isso?
— Aquele livro que você me emprestou.
— Eu não me lembro de...
— Faz muito tempo. E, na verdade, você não emprestou. Eu peguei. Eu costumava fazer isso. Nunca mais vou fazer.
— Você pode ficar com o livro. Eu...
— Não! Ajude a me regenerar. Quem fazia essas coisas não era eu. Era outra pessoa. Um crápula. Decidi mudar. Este sou o eu 2014. Comecei devolvendo todos os livros que peguei dos amigos. Acabou com a minha biblioteca, mas que diabo. Me sinto bem fazendo isto. Outra coisa. Precisamos nos ver mais. Eu abandonei os amigos. Abandonei os amigos! Olhe, vou à sua casa este sábado.
— Não. Ahn...
— Prometo não roubar nada.
— Não é isso. É que...
— Já sei. Vamos combinar um jantarzinho lá em casa. A Santa e eu estamos ótimos. Fiz um juramento, na noite de ano bom. Que me regeneraria. E ela me aceitou de volta. Há dois dias que não olho para outra mulher. Dois dias inteiros! Isso era coisa do outro.
— Sim.
— Do crápula.
— Sei...
— Eu era horrível, não era? Diz a verdade. Pode dizer. Uma das coisas que eu resolvi é não bater mais em ninguém. Era ou não era?
— O que é isso?
— Como é que eu podia ser tão horrível, meu Deus?
— Calma. Você está transtornado. Vamos tomar um chopinho.
— Não! Não posso. Jurei que não botaria mais uma gota de álcool na boca.
— Mas um chopinho...
— Está bem. Um. Em honra da nossa amizade recuperada. E escuta...
— O quê?
— Deixa eu ficar com o livro mais uns dias. Ainda não tive tempo de...
— Claro. Toma.
— E vamos ao chope. Lá no alemão, onde tem mais mulher.
Luis Fernando Verissímo
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