Na curva final da vida, Pepe Mujica partiu com a mesma leveza com que atravessou a existência: sem estardalhaço, sem vaidade, pedindo apenas um canto de terra simples, ao lado de sua inseparável Manuela. Foi-se como viveu — um homem inteiro, que trocou os palácios por um Fusca azul e os privilégios do poder pelo cheiro de flores no quintal.
Mujica foi
uma espécie rara, dessas que parecem ter vindo de outro tempo. Um tempo em que
a palavra valia mais que a selfie, e a política era um chamado, não uma
carreira. Com ele, aprendemos que é possível ser firme sem ser duro, governar
sem se afastar do povo, sonhar sem perder a simplicidade.
E, ao lembrar
de Mujica, a memória faz seus atalhos. Leva-me, sem pedir licença, aos
corredores e calçadas do velho PCB — depois PPS — onde também habitaram outros
homens inteiros. Meus dinossauros, como gosto de chamá-los. Velhos, sim, mas
cheios de fogo. Militantes que faziam da vida um manifesto, e da política, uma
arte de viver.
Dos
debates…
Havia Byron
Sarinho, cuja fala, orientava e apontava caminhos. Sua oratória parecia sinfonia:
cheia de ritmo, cadência e verdade. Délio Mendes, que falava de política como
quem convida pra um bom samba: com gingado, graça e convicção. Willame Jansen,
um monge laico, ensinava com o silêncio e aconselhava com o olhar. Jô
Gonçalves, entre risos e ironias, fazia até os dogmáticos mais duros baixarem a
guarda. E Marcílio Domingues…, o estrategista, organizava como quem compunha música,
nos ensinava a importância da disciplina.
Waldemar Borges - o Deminha, com sua presença acolhedora e afetuosa, me mostrou o valor da política cotidiana, da solidariedade que se constrói nos pequenos gestos e da alegria como forma de resistência. Um mestre do convívio e da escuta generosa. Mirtis Cordeiro, deu o exemplo da firmeza ética e da coragem das mulheres que não recuam diante da injustiça.
E lógico, num mesmo paragráfo, Amaro Gantois, nosso guia e protetor, é uma referência permanente. Seu olhar atento, seu espírito afetuoso e sua sabedoria sempre nos deu força e direção e Lêda Valença, ensinou a pensar com profundidade e sensibilidade, sem jamais perder de vista o humano.
Sem esquecer também de Abelardo Caminha, nosso Belé, que carregava décadas de história e experiência em cada gesto. Zenóbio Vasconcelos, cuidadoso nas palavras e certeiro nos argumentos. Chico Preto (ou Francis Black, segundo Byron), sempre com uma análise de conjuntura na ponta da língua. Nailton Santos, nos instigava a estudar e refletir. Leonardo Cavalcanti e suas falas afiadas como navalha. Lyra, com sua memória prodigiosa, era o guardião das histórias do partido. Euvaldo Rodrigues Leda, o “Cabo Velho”, era a ponte entre gerações, conectando passado e futuro.
A lista é grande, tenho medo de esquecer alguém. Temos a Professora Socorro Ferraz com quem aprendi a importância da educação crítica e libertadora como base para qualquer projeto de sociedade justa. E Noel (na sua partida vi Byron chorar), nossa liderança comunitária que ensinou, com o exemplo, o que é lutar por dignidade com humildade e persistência. Dinaldo Coutinho, com sua poesia e sensibilidade, lembrava-nos da importância da cultura na luta política,
Cada um,
um tom. Todos, uma orquestra .
…ao
Moscouzinho
Tive a sorte
de aprender com eles não apenas nas reuniões, mas nos bares, nos almoços
demorados, nas madrugadas embriagadas de ideias. Moscouzinho, Mercado da Boa
Vista, Ilha de Kós, Restaurante Dom Pedro — eram mais do que pontos de
encontro. Eram catedrais da convivência. E lá, entre uma cachaça e outra, aprendi
que política se faz também com afeto.
Foram
professores sem quadro-negro. Mestres sem currículo. Gente que me ensinou a
escutar antes de argumentar, a rir antes de endurecer, a resistir sem deixar de
sonhar. Gente como meu pai, Jorge Rocha, meu norte. Com ele, aprendi que
coerência é um ato diário, não um troféu. Que memória não é saudosismo, mas
bússola.
Alguns desses
gigantes já partiram, outros seguem por aí — insistindo em existir num mundo
que insiste em dizer que não há mais lugar para utopias. Mas eles seguem, como
velas acesas em noite escura, como vozes firmes quando tudo em volta é ruído.
E eu sigo com
eles dentro de mim.
Entre Mujica
e os Dinossauros do Partidão, aprendi que é possível viver de acordo com aquilo
em que se acredita. Que é possível fazer política com sobriedade, com poesia,
com ternura. Que a luta não precisa ser amarga. Que resistir pode ser também um
ato de amor.
Hoje, quando
o mundo parece girar rápido demais e a coerência virou artigo raro, volto minha
lembrança para esses mestres. E renovo minha fé.
Porque, se
sigo acreditando, sonhando e lutando, é porque tive o privilégio de caminhar ao
lado deles.
E continuo caminhando — com eles, dentro de mim.
Maravilhoso meu velho, maravilhoso!
ResponderExcluirNossa época, nossa formação, nosso partido.
ExcluirBoas lembranças!
ResponderExcluirSempre é bom relembrar momentos e pessoas importantes em nossa história.
ExcluirSábias palavras, chego a me emocionar !
ResponderExcluirQue lindo ! Essa experiencia de vida carregamos todos como suporte para vivermos o presente…❤️
ResponderExcluirForam momentos importantes na minha história, na história de Carraly, Gadelha, Fernando, Érico, Carlinhos...e ainda faltou falar de muita gente: Elias, Wal, Toinho, Gabriel, Zé Roberto...
ExcluirMuito bom este seu texto!
ResponderExcluirFiquei bem emocionada e me fez viajar no tempo, revivendo essas histórias de pessoas tão marcantes!