Essa semana completou 88 anos que Noel Rosa nos deixou. Mas quem disse que ele foi embora de verdade? Noel ainda mora por aqui — entre um samba de Chico e uma poesia de Vinícius, entre uma mesa de bar e uma esquina do subúrbio, entre o riso malandro e o coração partido. Com eles, ele compôs o meu gosto musical. E talvez por isso eu sinta que conheço Noel desde sempre, mesmo sem nunca tê-lo ouvido ao vivo.
Noel morreu cedo, aos 26 anos, mas viveu mais do que muita gente que chegou aos cem. Na curta travessia que fez entre Vila Isabel e a eternidade, ele cantou como quem viveu mil vidas. Transformou a dor da tuberculose em versos engraçados, e a crônica da cidade em música de salão e botequim. Fez do samba uma conversa com a alma — e da língua portuguesa, seu instrumento mais afinado.
Quando escuto "Com que roupa?", não ouço só um samba: ouço um retrato de crise, de ironia, de resistência. Quando toca "Feitiço da Vila", vejo o Rio antigo sorrindo entre pastores, malandros e estudantes. E quando ouço qualquer melodia de Noel, percebo o quanto a música brasileira aprendeu com ele a rir para não chorar.
Chico Buarque deve ter escutado Noel ainda no colo. Vinícius de Moraes, com quem partilha a poesia do cotidiano, deve ter sentido, ao escrever seus sonetos, que Noel já havia dito tudo com menos palavras e mais gingado. E eu, ouvinte tardio, agradeço por ter sido apresentado a esse trio que me ensinou a escutar o Brasil com ouvidos mais atentos.
Noel Rosa partiu em 1937. Mas cada vez que alguém canta um samba seu, ele reencarna na harmonia da roda, no sorriso do passista, na lágrima de quem sente. Noel é o tipo de ausência que não silencia. Porque há presenças que resistem ao tempo — e ele, com sua música debochada e genial, é uma delas.
Noel não morreu. Só mudou de endereço. Agora vive em cada canto onde a boa música ainda encontra um coração aberto.
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