Chamamos ele de Menino-Tela. Um personagem moderno, nascido
do casamento entre a tecnologia e a ansiedade de estar em todos os lugares ao
mesmo tempo. Mas o Menino-Tela não está em lugar nenhum, não de verdade.
Ele vive no mundo real apenas como um corpo que ocupa
espaço. Sua mente, seus olhos, sua alma? Esses pertencem ao pequeno universo
luminoso que cabe na palma da mão.
O Menino-Tela não é uma raridade; é um espelho. Reflete uma
geração que, enquanto anda, estuda, come e até dorme, está conectada. Ele é o
garoto que acorda com o celular ao lado do travesseiro, que leva o aparelho ao
banheiro como companheiro inseparável, que compartilha o pôr do sol sem nunca
olhar para ele diretamente.
É o jovem que fala de assuntos de impacto — política, meio
ambiente, desigualdades sociais —, mas cujo engajamento raramente ultrapassa a
linha do feed. Ele se importa, ou pelo menos diz que se importa, mas agir
parece um verbo ausente em seu vocabulário. Ele discursa sobre mudanças, mas é
prisioneiro das timelines que o empurram para um ciclo infinito de postagens.
E há algo preocupante e até trágico nisso. O Menino-Tela
acredita que essa hiperconexão é seu superpoder. Acredita que estar atualizado,
“ligado” e antenado é o que o diferencia e o fortalece. Mas não percebe que é
justamente aí que mora sua fraqueza.
A tela, tão adorada, virou escudo e prisão. Por trás dela,
ele se esconde, protegido da imprevisibilidade e da intensidade da vida real.
Ela é o espelho perfeito — um filtro que só reflete o que ele quer ver ou o que
o algoritmo decide que ele deve consumir.
A vida do Menino-Tela é um eterno deslizar de dedo. Ele vive imerso em notificações, pulando de aba em aba, de vídeo em vídeo, numa dança que não tem ritmo nem fim. Ele espera que algo aconteça enquanto o tempo, silencioso e implacável, passa. E nesse passar, ele perde o essencial: histórias que não precisam de likes para serem incríveis, risadas que não pedem filtros, dores que ensinam mais do que qualquer post que viraliza nas redes.
Mas há uma pergunta inevitável: como acordar o Menino-Tela?
Como tirá-lo da bolha onde ele acredita que tudo acontece, sem perceber que a
vida, essa sim, cheia de nuances e surpresas, está acontecendo bem ao lado?
Talvez o primeiro passo seja um simples convite. Um toque no
ombro, um sorriso sem ser por emojis, um “ei, bora viver de verdade?”. Talvez
seja mostrar que o mundo, além da tela, é tão fascinante quanto qualquer joguinho,
tão urgente quanto qualquer trending topic, tão cheio de conexões quanto
qualquer rede social, ou melhor, até mais.
A vida real não precisa de Wi-Fi para ser extraordinária. Ela é feita de momentos que não podem ser pausados, de pessoas que têm cheiro e calor, de experiências que não cabem em pixels. É feita de desafios que exigem movimento, de aprendizados que não vêm com tutoriais, de encontros que transformam.
Mostrar isso ao Menino-Tela não é uma tarefa fácil, porque significa disputar sua atenção com o maior concorrente de todos os tempos — o universo digital. Mas talvez o segredo esteja em resgatar o que ele perdeu sem perceber: a capacidade de sentir o mundo com os cinco sentidos, de se maravilhar com o que é simples, de se conectar com o que é humano.
Há um paradoxo cruel na vida do Menino-Tela. Ele vive conectado, mas está cada vez mais desconectado das coisas que realmente importam. Ele tem milhares de amigos virtuais, mas se sente sozinho. Ele acumula seguidores, mas perde o fio condutor de sua própria história. Ele compartilha o que vê, mas não enxerga além da tela. E enquanto ele acredita estar vivendo, está, na verdade, apenas passando pela vida.O Menino-Tela precisa encontrar o equilíbrio. Não se trata de abandonar a tecnologia, até porque ela é, sim, uma ferramenta poderosa. Trata-se de aprender a usá-la sem ser usado por ela. Trata-se de recuperar o controle, de sair da passividade, de redescobrir o prazer de estar e de ser presente. É olhar para o celular não como um fim, mas como um meio. É saber que, para compartilhar algo verdadeiro, é preciso primeiro vivê-lo.
Talvez o Menino-Tela não se dê conta disso sozinho. Talvez ele precise de nós, que já fomos ou ainda somos um pouco como ele. Talvez precise de uma conversa franca, de uma mão estendida, de alguém que lhe mostre que a vida real está aqui, aguardando. E que, apesar de todos os desafios, ela vale a pena. Porque só na vida real é possível sentir o vento no rosto, ouvir uma gargalhada sem intermediários, abraçar sem barreiras. Só na vida real é possível viver de verdade.
No fundo, o Menino-Tela não é tão diferente de todos nós. Ele é fruto de um tempo em que a tecnologia nos aproxima e, paradoxalmente, nos afasta. Ele é uma figura que nos convida a refletir sobre nossas próprias escolhas, nossos próprios hábitos, nossa própria forma de existir.
E talvez a resposta para acordá-lo seja, primeiro, acordar a
nós mesmos. Afinal, só quem vive plenamente pode inspirar o outro a fazer o
mesmo.
Porque a vida acontece aqui fora. E ela não cabe toda numa
tela.
👏👏👏👏👏👏 Ótimo texto! Adorei este blog!
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