A Mesa (...sem crase mesmo...)

Era início da noite, e eu voltava para casa no ônibus, cansado de um dia qualquer. Sentei numa cadeira no fundo, junto à janela, com aquela vontade de apenas observar o caminho e o vaivém das pessoas. Depois decidi abrir um livro e comecei a leitura. Em uma das paradas, uma mulher sentou-se ao meu lado. Um “boa noite” tímido virou conversa.

Começamos com amenidades: o trânsito, a chuva, o calor. Logo, acredito que por estar lendo, ela deslizou para outro tema: a importância da leitura na formação das pessoas. Falava com brilho nos olhos, como quem guarda um segredo bom. E foi aí que me peguei ouvindo mais do que falando. Não contei que, como hobby, tento escrever crônicas no nosso Diálogo de Roda. Preferi o silêncio curioso de quem aprende.

Mas a conversa tomou um rumo inesperado. De repente, ela começou a falar sobre a mesa. Sim, a mesa. Contou que, em sua casa, todas as refeições eram feitas ali. Na mesa, dizia, eles sabiam como tinha sido o dia de cada um. Era o espaço dos risos, das confidências, dos pequenos debates. Ali, se criavam laços. Ainda revelou, que levou esse costume para sua casa, para seus filhos.

E ela foi além:
— Num casamento, antes da cama, devia vir a mesa. Não adianta ter uma boa cama, se falta uma boa mesa.

Aquilo me desarmou. Eu, que nunca tinha pensado assim, fiquei com a frase ecoando na mente. A cama é vital, claro. Mas a mesa… a mesa é diálogo, é construção, é plano para o futuro.

Desci na minha parada com a imagem dela ainda falando sobre a mesa. E continuei pensando.

No passado, de fato, a mesa era o coração da casa, era o espaço pra construção de memória afetivas.  Hoje, tantas mesas viraram apenas objetos de decoração, quase sempre vazios, esperando encontros que não vêm. No entanto, é nela que a vida se costura.

E, se ampliarmos o olhar, veremos que a mesa sempre teve um papel maior do que imaginamos. Foi numa mesa que Jesus partilhou a última ceia, mais do que pão: partilhou destinos, esperanças. Foi na Távola Redonda que os cavaleiros se reuniam em igualdade, porque sua forma não permitia destaques.

E ainda há as mesas de negociação, onde líderes políticos, militares, sociais, sindicais sentam-se para construir consensos e, às vezes, paz. Quantas guerras não terminaram porque alguém se dispôs a sentar diante de outro?

A mesa, afinal, nunca foi só um móvel. É espaço de encontro. É onde os mundos se tocam.

Naquele dia, desci do ônibus com uma certeza simples: precisamos resgatar a importância das mesas — na vida privada, nos relacionamentos, nas famílias, e também na vida pública, coletiva. A mesa é lugar de aprendizado, onde valores como educação, respeito e gratidão são transmitidos. Sem mesa, sobra muito silêncio. E o silêncio, às vezes, separa.

Comentários

  1. Que a mesa seja o começo da realização de grandes sonhos!

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