Isto não pode ser tudo

Há formas de violência que não deixam marcas visíveis, mas ferem fundo. São silenciosas, mas ensurdecedoras. Estão no desprezo disfarçado, na ausência de afeto, na porta que se fecha sem aviso. Estão nos dias que amanhecem sempre iguais, sem surpresa, sem cor, sem perspectiva.

Nem sempre a violência se manifesta num gesto brusco. Às vezes, ela mora num olhar que diminui, numa palavra seca, num “depois a gente vê”. Está no salário que mal sustenta, na oportunidade negada, no preconceito que se esconde atrás de sorrisos. Tudo isso vai se alojando, devagar, no peito de quem sente – e o que antes era incômodo vira peso.

A frustração não chega de repente. Ela se constrói, dia após dia, no acúmulo de pequenas dores. Primeiro vem a raiva, depois a tristeza. Por fim, um cansaço morno, quase imperceptível, que se disfarça de conformismo. A pessoa deixa de esperar. E quando se para de esperar, para-se também de lutar.

É nesse instante que mora o risco: quando a dor vira rotina e o medo, hábito. Quando o silêncio se impõe e a gente se acostuma com o que deveria ser inaceitável.

Mas – e sempre há um “mas” – nem tudo se apaga por completo.

Dentro de cada um, há uma chama que insiste em permanecer acesa. Às vezes, ela se revela num livro esquecido, numa canção antiga, num abraço verdadeiro, numa conversa genuína, numa criança rindo alto, num café feito com carinho.

Essa chama tem nome: esperança. Não precisa ser grandiosa. Basta existir. Com cuidado, ela vira fogo. E o fogo, coragem.

Esperança não é ilusão. É persistência. É continuar cantando quando o mundo quer silêncio. É dar mais um passo mesmo com medo. É saber que o agora dói, mas o amanhã ainda pode ser diferente.

Essa luz pode ter muitas formas: a lembrança de quem já fomos, o sonho que sobrevive em segredo, ou alguém que, mesmo quando tudo falha, continua acreditando na gente.

E é essa luz que aponta o caminho. Pequena que seja, ela ilumina. Porque reagir não é vencer tudo de uma vez. É não se deixar apagar. É lembrar, no escuro mais fundo, que não, isso não pode ser tudo.

Mudar começa assim: por dentro. No instante em que a gente escolhe não se render.

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