Enquanto houver samba...

Hoje é Dia de Finados. E, sem querer, foi o streaming quem me lembrou disso ou talvez tenha sido meu pai, soprando memória em meu ouvido. Tocava “Não deixe o samba morrer”. Fiquei quieto. O samba entrava, leve e manso, e de repente parecia que cada verso era um recado, uma conversa antiga, uma promessa velada que ainda pulsa em mim.

Meu pai nunca foi de discursos longos. Dizia muito no olhar, no jeito de se ajeitar antes de uma conversa séria, no sorriso tímido que disfarçava quando via a gente fazendo algo certo. E foi assim, sem grandes palavras, que deixamos acertado o que hoje entendo como a herança mais bonita que alguém pode deixar: a de continuar o samba.

Porque o samba, no fundo, é isso: vida que insiste.
É a fé de quem acredita mesmo quando o compasso muda, é a coragem de bater o tambor mesmo sob chuva, é o abraço entre quem erra e quem recomeça.
E naquela última conversa, aquela que nenhum dos dois disse que era a última, ele me passou o seu “anel de bamba”.

Não falamos em cuidar dos irmãos, mas eu entendi. Não falamos em acreditar na boa política, mas o brilho no olho dele me contou tudo. Não falamos em continuar sonhando com uma cidade melhor, mas o silêncio que nos envolveu dizia exatamente isso. E quando ele fechou os olhos, eu soube que o samba não podia morrer.

Desde então, tento buscar afinação e seguir a vida como ele  ensinou: com firmeza, mas com doçura. Cuidar dos meus irmãos, ensinar meus filhos, caminhar junto dos amigos, tudo isso virou parte do ritmo.
E às vezes, quando o dia pesa,  trago lá de longe, um sentimento discreto e um surdo: É meu pai, eu sei. Espiando, do meio do povo, o desfile da minha vida.
Torcendo pra que eu não esqueça o tom.

Hoje, enquanto a música tocava e o coração apertava, percebi que “não deixar o samba morrer” é mais do que resistir. É continuar dançando, mesmo com as pernas cansadas. É manter viva a alegria do que fomos, o sonho do que podemos ser. É entender que o legado não está no nome, nem na lembrança das datas, mas no gesto de continuar.

Com esperança, com amor, com propósito.

Então, pai, pode ficar tranquilo aí no meio da arquibancada da eternidade.
O samba continua. E os seus sonhos e vontades, eu uso todos os dias, mesmo que ninguém veja.

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