Presença é presente...

Na noite de Natal, fiquei ruminando uma palavra que parece simples, mas pesa feito pedra: presente.

Ou seria presença?

Tem gente que mede o Natal pelo barulho do papel rasgando, pelo tamanho da caixa, pela foto da mesa farta - peru, farofa, risada ensaiada. Nada contra. Nunca foi contra. Eu também gosto de mesa cheia, de vinho compartilhado, de riso espalhado. O problema é quando isso tudo vem sozinho, desacompanhado do essencial.

Porque o Natal, quando perde a presença, vira só cenário.

Hoje, manhã de Natal, a cidade ainda meio dormindo, eu acordado - como quase sempre. Pensando. Pensar é uma mania que se confunde comigo. E me dei conta de uma coisa dura: dá pra estar cercado de gente e, ainda assim, sentir um silêncio enorme por dentro. Um vazio educado. Um abraço que não encosta. Um “feliz Natal” automático, sem endereço certo.

Presente é coisa que se entrega. Presença é coisa que se oferece.

Já vivi Natais cheios de gente em que me senti ausente. E já vivi Natais sozinho em que me senti inteiro. Completo. A casa vazia, mas o coração ocupado de memória. Lembrei de vozes que já não estão, de risos que ficaram ecoando no tempo, de noites em que o melhor presente era alguém sentar do lado e ficar. Só ficar. Sem celular, sem pressa, sem performance.

A presença tem esse poder político e afetivo: ela suspende o mundo por um instante. Ela diz “eu tô aqui” num tempo em que todo mundo vive correndo pra lugar nenhum. Presença é ética. É escolha. É resistência.

Talvez o desafio do Natal, e da vida, seja esse: aprender a diferenciar presente de presença. E, depois, juntar os dois. Que o embrulho venha, sim. Mas que dentro dele exista tempo, escuta, afeto, verdade. Que a mesa esteja cheia, mas que os olhos também estejam. Que o corpo esteja ali, mas a alma não falte.

No fim das contas, o que importa é o sonho.
E o sonho do Natal, pra mim, sempre foi esse: menos coisas nas mãos e mais gente inteira na vida da gente. 

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